le feu follet
Esvaziou gavetas, rasgou cartas,
destruiu lembranças. Arquivou mistérios. Afogou gemidos. Algemou perdões. E as mãos que passaram por seu corpo. E as bocas que promessas
lhe fizeram. E as línguas que traduziram
seus orgasmos. Nada que preenchesse o vazio que era em torno dele, que
era ele. Continente e conteúdo. Nada e coisa alguma. Passos trôpegos e as madrugadas.
Cambalhotas e piruetas. Tripas e coração. A história que esquecera secando no
varal. A história que precisava ser passada a ferro. Desamassada. Engomada.
Trancafiada, sem nódoas, no fundo do armário.
Talvez lá longe, muitos anos,
viesse a coragem de andar de costas.
Ensaiou gestos e esgares. Comeu ausência,
vomitou saudade. Viu-se inseto. Sentiu-se réptil. Quis ser leão. Revolveu a
terra. Replantou um sonho. Provocou os anjos. Despertou os deuses. Exorcizou
demônios. Dançou por sobre abismos.
Mergulhou por sob pântanos. Guardou o
hoje na gaveta do ontem.
Mas já era além da meia noite.
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