Cada um de nós é por enquanto a vida. Que isso nos baste.

José Saramago

quinta-feira, 15 de novembro de 2012



le feu follet

Esvaziou gavetas, rasgou cartas, destruiu lembranças. Arquivou mistérios. Afogou gemidos.  Algemou perdões. E as mãos que  passaram por seu corpo. E as bocas que promessas lhe fizeram. E as línguas que traduziram  seus orgasmos. Nada que preenchesse o vazio que era em torno dele, que era ele. Continente e conteúdo. Nada e coisa alguma. Passos trôpegos e as madrugadas. Cambalhotas e piruetas. Tripas e coração. A história que esquecera secando no varal. A história que precisava ser passada a ferro. Desamassada. Engomada. Trancafiada, sem nódoas, no fundo do armário.
Talvez lá longe, muitos anos, viesse a coragem de andar de costas.
Ensaiou gestos e esgares. Comeu ausência, vomitou saudade. Viu-se inseto. Sentiu-se réptil. Quis ser leão. Revolveu a terra. Replantou um sonho. Provocou os anjos. Despertou os deuses. Exorcizou demônios. Dançou por sobre  abismos. Mergulhou por sob  pântanos. Guardou o hoje na gaveta do ontem.
Mas já era além da meia noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário